Hoje apetece-me gritar, espernear, amuar...tudo por uma bolsa de canetas e lápis. Pode parecer tremendamente fútil e materialista ficar tão abalada por causa de objectos, simples coisas que não são nada mais do que bens materiais, mas eu penso de forma diferente. Ficar sem algo que sempre nos acompanhou é muito mais que desagradável, é triste. Um objecto é muito mais que o valor económico a ele associado, tem alma própria, e com ele, aquele rol de memórias dos momentos passados. Há quem diga "depois compras outro igual", mas no fundo todos nós sabemos que não é o mesmo. Já tentei fazer isso antes, voltar a comprar akela coisa especial, na esperança de a ter de volta para mim e de me apaixonar de novo por ela, mas admitamos, não é o mesmo.
A minha bolsa era enorme, em plástico transparente às bolinhas cor-de-rosa de todos os tamanhos. Havia sido descaradamente "cravada" a uma menina de promoções de bolachas no supermercado, e dentro dela estava tudo o que precisava para me aguentar nos piores momentos, os meus materiais de desenho. Desde muito miuda coleccionei canetas, lápis, borrachas, separadores de livros...lembro-me de estar na primeira classe e andar com um estojo recheado, que mais parecia um tumor que a pobre mochila havia ganho na bolsa da frente. Mal sabia escrever, mas ja sabia desenhar e já sabia o que queria ser. Hoje em dia o vício perdura e nunca jogo nada fora, nem os pobres lápis afiados até à exaustão, mais pequenos que uma beata de cigarro. Não os jogo fora e guardo-os porque me acompanharam em momentos excelentes, carregam suor e lágrimas e recordações de vistas fantásticas. Tenho e sempre tive muita dificuldade em separar-me das minhas coisas, talvez por isso quando viajo, levo a casa às costas, desde fronhas de almofadas, com o cheio de casa a meia dúzia de velinhas de cheiro. Quem me conhece sabe que adoro desenhar, é a única coisa que sei fazer na vida, e, mal ou bem, é a única coisa realmente minha que estará cá sempre para me lembrar de quem sou. Recordo-me da minha bolsa cheia de pequenas coisas cheias de significado, pequenas coisas que me tinham oferecido, pequenas coisas que havia comprado para mim e até algumas extravagâncias para as quais juntei durante semanas para as comprar...Cabia um mundo lá dentro, não só feito de objectos, mas feito de todo o carinho que tinha por eles, e esse carinho, mais do que o dinheiro que as coisas custaram, tem um valor inestimável. Mais valia ter sido a carteira cheia de dinheiro a ir à vida, acho que me custava menos...É óbvio que posso ir a papelaria e gastar tudo o que tenho (que neste momento é nada...lol) a tentar repor pelo menos uma pequena parte dessas coisas, lápis sem fim, carvões, lapiseiras e canetas de todos os tamanhos cores e feitios...o material de desenho é substituível, caro, mas substituível...agora as coisas que já não se fazem, as pequenas prendinhas, os miminhos...essas são insubstituíveis. Recordo-me de ver as minhas amigas sempre a mexer nos meus estojos e recordo-me de as irritar visceralmente quando escavava túneis sem fim por eles adentro, fazendo uma barulheira em plena aula, só para encontrar "aquela" caneta. Levei muita cotovelada e ouvi muitos "ó mulher usa uma qualquer!".
Parece que nesse e noutros aspectos nunca cresci muito e sou ainda um bocado menina, apegadíssima à minha colecção de borrachas, na qual figuravam com orgulho os meus moranguinhos e as borrachinhas da mafalda...Mais recentemente a mãe de um amigo ofereceu-me um estojo que adorava, que passei a levar para todo o lado, um estojo dentro do estojo, sim, carrego com muita tralha na mala...lol. Lembro-me claramente do dia em que o recebi, quando ensopada até aos ossos sob aquela chuva do norte, estilo dilúvio, atravessei as vastas ruas de braga sem guarda-chuva, pensando que me ia afogar naquela água que fustigava como um estalo na cara.
Esse estojo laranja tornou-se o orgulhoso portador de toda a minha "quinquilharia" das explicações de geometria descritiva, desde os compassos às infindáveis lapiseiras e borrachas, o certo é que ninguem reclamava, não fosse haver sempre alguém que precisava de alguma coisa. Como diz um amigo, "não és infantil, és amorosa", lamento desiludir-te, mas sou mesmo infantil, e ingénua, especialmente por pensar que alguém liga a isto. Amorosa ou não, não penses que me esqueço da tua cara de horror estilo hitchcock quando me apanhaste a limpar borrachas e canetas com limpa vidros, alcoól e cotonetes...lol. Tantas vezes tiveste que me aturar a mostrar-te aquela caneta horrorosa em madeira pintada, com a cabeça do chinês que abanava. Era feia, velha, gozavam com ela, mas caramba que escrevia bem!Tantas foram as vezes que lhe mudei a carga... e que delicia era fazer frequências com ela e irritar a gaja ao lado a baloiçar a cabeça do "alôz xau xau" sob aquele ruído dóing dóing que desconcentrava qualquer um...desculpem, relaxava-me!
Só me resta começar de novo, continuar com esta parvoíce infantil que é só minha e tentar arranjar mais moranguinhos perfumados para me deliciar. Obrigada andré pela foto da Marlene Dietrich e do lápis gigante de casca de árvore. Quem melhor que tú me compreende?
Sei perfeitamente que há problemas maiores no mundo, e até eu os tenho de sobra infelizmente, tudo isto parece fútil e superfluo, mas porra...tou triste...
p.s. segunda feira exame nacional de Desenho-A e tou desfalcada, quem faz uma vaquinha e me oferece uns lápis?
3 comentários:
Oh rapariga... que desabafo comovente. Mesmo sabendo do sucedido não se pode ficar indiferente a tal testemunho tristonho. Consegues transmitir a tua dor de um acontecimento que á primeira vista parece ser insignificante a qualquer pessoa. Mas não é bem assim, e quem partilha do mesmo gosto que tu (artes) percebe perfeitamente esse desgosto. Espero que encontres outro estojo super gigante e que o enchas novamente de lápis, mimos e vivências. :) Bjo grande
O teu amigo tem razão, és amorosa.
Dietrich?? Voila!! gostei do texto tipo cronica, tao genuinamente ficcionado (??)abra�o.
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