05/11/08

Em dias como aquele, o cheiro das laranjas era sempre mais intenso. O bafo da humidade arrastava o cheiro do laranjal pela janela do quarto, e aquela atmosfera quente e chuvosa começava a incomodá-la. Matilde sempre gostara da chuva mas em dias como aquele, aquelas gotas pesadas e fortes apenas contribuíam para deixa-la ainda mais abatida. Decide por um banho de água quente a correr, despe-se lenta mas agilmente e mergulhando a ponta dos dedinhos do pé na água, confirma que a água está exactamente como gosta. Bem quente. Tenta absorver-se de todos os seus pensamentos mas é-lhe cada vez mais difícil manter-se calma. Não consegue deixar de pensar como teria sido se tivesse continuado a andar em frente naquela manhã. Se tivesse ignorado aquela pessoa como tinha ignorado tantas outras anteriormente. Onde estaria neste exacto momento? Seria a mesma pessoa? Por momentos arrependeu-se de tudo e desejou fazer o tempo voltar atrás, desejou-o com tanta força que por momentos, por breves instantes, acreditou que pudesse ser real, até que a inevitável força do sentimento que a abalava lhe mostrou que nada iria ser igual de agora em diante. Gostava daquela pessoa. Sabia que tinha que seguir mas não sabia como. Desejou desaparecer, desejou-o com tanta força até se fundir com o vapor da água, e o que eram antes os seus cabelos, a sua pele, a sua alma, se evaporaram na finura do ar, flutuando por aqui e por ali, bamboleantes tal qual borboletas. Fundiu-se com a chuva que caía grossa lá fora, fundiu-se com o cheiro das laranjas, com o cheiro da terra molhada, com o cheiro dos gatos vadios escondidos debaixo dos carros, fundiu-se com a terra, fundiu-se com o mar, lá bem longe. E ainda hoje dizem que quando chove, as flores ganham uma cor e um brilho diferentes, que o mar produz uma melodia mais triste, que os gatos miam outros lamentos e que os laranjais, esses pátios de aromas doces e melancólicos, nunca haviam produzido laranjas tão doces.